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Fámilia ilustrada em Vidas Secas.

Fámilia ilustrada em Vidas Secas.
Uma ilustração feita por Vinícius Mattoso retratando uma fámilia em vidas secas seguindo abaixo com assinatura de Graciliano R. (Autor do livro).

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Análise e Contextualização

Na ótica do subdesenvolvimento social e econômico brasileiro, especialmente, na década de 30 do século passado, onde toda esta realidade perversa passou a ser narrada, Vidas Secas deve ser contextualizada, na medida em que, às escâncaras, abandona então a amenidade e curiosidade, bem como o que havia de mascaramento no encanto do pitoresco ou no enfoque ornamental com que antes se tratava o homem rústico brasileiro face ao regionalismo do século XIX.

Para entender-se a ruptura de Vidas Secas com a plenitude das tradições da ficção regionalista brasileira, se tem de retroceder as origens do regionalismo e a construção de uma tradição literária no Brasil.

Ao contrário dos paises da Europa onde a cultura é secular, pelo que a tradição vem sendo construída a milênios, o Brasil é um pais jovem.
Na época colonial o Brasil não possuía escolas, os filhos dos mais abastados dirigiam-se para a Europa, onde mantinham contato com a cultura e literatura do velho continente.

Quando retornavam traziam as tradições desta cultura e literatura, aplicavam-na, mas ficava algo de muito artificial, especialmente, durante o parnasianismo, pois este movimento caracterizado como um retorno ao passado, restava excêntrico, singular, estranho quanto aos seus resultados, pois não havia como se tornar para algo que nunca existiu, sem embargos de que a mitologia grega não detinha nexo cultural com o país nesta época do neoclassicismo.

A busca das raízes, ou seja, das origens brasileiras levou a literatura para a figura do índio, visando estabelecer um passado heróico e lendário à nossa civilização, bem como dos habitantes dos sertões e regiões distantes da Corte.

Neste ambiente nacionalista desenvolveu-se uma literatura com enfoque indianista, histórico e regionalista, destacando-se dentro desta última linha José de Alencar, Visconde de Taunay dentre outros, começando a surgir desde então uma tradição regionalista, dentro da grande tradição literária, propriamente, brasileira que começou a ser erigida a partir do romantismo.

Nesta construção o eixo do romance do século XIX foi o respeito a realidade, manifesto pela verossimilhança na narrativa.

Para tanto se encaminhou para descrição e o estudo das relações humanas em sociedade, lugares, paisagens, cenas, épocas, acontecimentos, personagens-padrão, tipos sociais, convenções, usos e costumes do país, criando assim uma tradição literária de mostrar o Brasil, ou seja, ampliar a visão da terra e do homem brasileiro.

Para atingir este escopo no dizer de Antonio Cândido, “dentre os temas brasileiros impostos pelo nacionalismo tenderiam a ser mais reputado os aspectos de sabor exótico para o homem da cidade a cujo ângulo de visão se ajustava o romancista: primitivos habitantes em estado de isolamento ou na fase dos contactos com o branco; habitantes rústicos, mais ou menos isolados da influência européia direta. Daí as duas direções: indianismo, regionalismo.” (Formação da Literatura Brasileira, Um instrumento de descoberta e interpretação, Martins, p. 115)

Para atingir este escopo no dizer de Antonio Cândido, “dentre os temas brasileiros impostos pelo nacionalismo tenderiam a ser mais reputado os aspectos de sabor exótico para o homem da cidade a cujo ângulo de visão se ajustava o romancista: primitivos habitantes em estado de isolamento ou na fase dos contactos com o branco; habitantes rústicos, mais ou menos isolados da influência européia direta. Daí as duas direções: indianismo, regionalismo.” (Formação da Literatura Brasileira, Um instrumento de descoberta e interpretação, Martins, p. 115)

De toda sorte, quedou-se firmada uma tradição na literatura brasileira no século XIX, com o advento do Modernismo, especialmente, em face da Semana de Arte Moderna de 22, houveram algumas rupturas, especificamente, na “prosa de ficção encaminhada para o “realismo bruto”.....beneficiando-se amplamente da “descida” à linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos léxicos e sintáticos. (Alfredo Bossi, História Concisa da Literatura Brasileira, Editora Cultrix, SP, p. 433/434)

Assim, na década de 30, “o panorama literário apresentava em primeiro plano, a ficção regionalista, o ensaísmo social”....” A sua paisagem nos é familiar: O Nordeste decadente, as agruras das classes médias no começo da fase urbanizadora, os conflitos internos da burguesia provinciana e cosmopolita”. (Alfredo Bossi, j. c., p. 434/435)

Neste campo, não havia outra saída, condicionando estava um novo estilo ficcional marcado pela rudeza, pela mostragem direta, crua e nua, dos fatos, abrindo caminho enfim para a retomada do realismo, entretanto, não o impessoal e cientifico do século XIX, mas sim, preferiram os romancistas de 30, “uma visão crítica das relações sociais” (Alfredo Bossi, j.c., p.438)

Neste panorama, se faz a contextualização de Vidas Secas no quadro da literatura de 30, vez que, a obra com as matizes do regionalismo, faz um retrato real, cruel e brutal das relações sociais, nitidamente, feudais imperantes no Nordeste do Brasil na época, servindo para demonstrar de forma violenta, com traços do realismo, que aqueles fatos embora até aceitos pela sociedade local, causavam graves lesões ao tecido da pessoa humana, por isto há menos tipos, espaços e condições exóticas, todas inerentes e exigidas pela tradição regionalista do século XIX, que assim, ganha novos contornos, onde a realidade sócio-econômica, também passa a ter grande e quiçá maior relevo.

Por tais motivos, Vidas secas é uma obra pela sua formação e conteúdo singular na literatura, embora faça uma análise das condições sociais do Nordeste do Brasil o que é inerente ao contexto da literatura da época.

Graciliano Ramos penetra no pensamento, na carne e na alma de cada um dos membros da família de Fabiano, visando mostrar de forma brutal a discriminação, a cultura e a realidade do sertanejo nordestino.

Partindo desta premissa básica, cumpre destacar, primazmente, que o foco narrativo em Vida Secas é feito em terceira pessoa, mas um tanto singular, pois por vezes o narrador se apresenta como sendo o inconsciente da personagem, outras vezes como onisciente, apresentando-se assim, como um terceiro que conta a história, como um deus que sabe de tudo e de todos.

Este flutuar, entre o inconsciente e a narrativa de uma história por um terceiro, onde o narrador desenvolve o seu mister, é bem claro e visa com isto o “sentido da vida”, que “é o centro em torno do qual se movimenta o romance”. (O marrador, Walter Benjamim, Obras Escolhidas, SP, Brasiliense, 1985, v. 1, p.212).

O “sentido da vida” ou os porquês de tantas desgraças são os temas pelos quais tudo de desenrola, alias o próprio título da obra endossa esta tese, vez que seca, na linguagem popular, segundo o Aurélio, tem o significado de “má sorte” ou azar, portanto Vidas Secas tem a inteligência de Vidas sem sorte, o que reporta à razão e ao sentido desta existência desafortunada.

Este procurar incessante se apresenta, claramente, no título em que Fabiano procura por uma raposa. Apesar do fracasso da empreitada, ele está satisfeito. Pensa na situação da família, errante, passando fome, quando da chegada àquela fazenda. Estavam bem agora. Fabiano se orgulha de vencer as dificuldades tal qual um bicho. Agora ele era um vaqueiro, apesar de não ter um lugar próprio para morar. A fazenda aparentemente abandonada tinha um dono, que logo aparecera e reclamara a posse do local. A solução foi ficar por ali mesmo, servindo ao patrão, tomando conta do local. Na verdade, era uma situação triste, típica de quem não tem nada e vive errante. Sentiu-se novamente um animal, agora com uma conotação negativa. Pouco falava, admirava e tentava imitar a fala difícil das pessoas da cidade. Era um bicho.

A obra inteira se desenrola pela falta de resposta a esta pergunta de Fabiano e sua família, qual era a razão da vida deles ? Não havia motivo para tanta desgraça, mas a narrativa dá a resposta de forma irônica, eram todos bichos.

Esta é a razão do caráter humano que o narrador dá a cadela Baleia.

Observe-se que a cadela Baleia, como bicho tinha as mesmas reações e até a habitual visão de submissão e resignação em face ao mundo dos demais membros da família, na verdade agia e tinha as mesmas atitudes deles, na medida que era apenas mais um membro.

Assim, o narrador desenvolve o conflito entre a Baleia humanizada e a família de Fabiano animalizada. Nivela todos como animais.

Outra característica marcante é a falta de dialogo entre os membros da família, o narrador substitui os diálogos, por pensamentos, pensamentos estes em que ele ocupa o lugar do personagem, seja ele humano ou animal, mesmo assim, se utiliza de expressões regionais, adequando-os à sintaxe tradicional. A ausência de diálogos se faz presente devido à uma ausência vocabular por parte das personagens, que se comunicam através de onomatopéias, exclamações, resmungos e gestos, enfatizando a animalização dos personagens e a solidão, marcante da vida de todos os membros da família, que são marginalizados também pelo fator lingüístico Assim, há a predominância do discurso indireto livre ou através de monólogos interiores, onde o narrador ordena logicamente os discursos e pensamentos dos personagens.

Deste modo, foi resolvido o gargalo literário do nível de linguagem, pois a tradição do regionalismo dá um tom caricatural à linguagem culta de um pretenso personagem que por sua condição jamais poderia possuir.

Neste particular, não se pode deixar passar “in albis”, que foi magistral Graciliano Ramos. Vidas Secas é uma obra do gênero regionalista e isto é irrefutável, como tal, descreve uma realidade social e um espaço tipicamente Nordestino na forma da tradição, inclusive com uso de nomes e termos regionais. Assim seria natural que o narrador tendesse a oralidade e o personagem a elevações estilísticas, mas ele restou flutuando entre a voz da consciência e do pensamento do personagem, o discurso indireto ou a narrativa como testemunha dos fatos, elidindo-se a possibilidade da fala, ou dialogo dos personagens, deixando-a a nível mínimo, por regra, monossílabos. Deste modo o efeito da linguagem regional tendeu a desaparecer sem com isto perder a sua verossimilhança.

Em outro ponto, a tendência do regionalismo da década de 30, no sentido de um realismo brutal, uma verossimilhança cruel, foi seguida na construção das personagens de Vida Secas. Fabiano foi construído e se constituiu como um personagem padrão de um camponês Nordestino, ou seja, concebido a luz de um modelo real e publicamente conhecido, ou seja, ignorante, resignado externamente, mas que intimamente lutava contra as desigualdades, tanto que sua luta sempre restava “resolvida” pelo único meio permitido pelo sistema, que era a fuga. O mesmo se operando de Sinhá Vitória e dos dois meninos.

Como uma das funções capitais da ficção “é a de nos dar um conhecimento mais completo, mais coerente do que o conhecimento decepcionante e fragmentário que temos dos seres” (Candido, Antonio, A personagem da Ficção, 2ª Ed, SP, Perspectiva, 1972, p. 64), em Vida Secas, as personagens são sumariamente apresentadas.

Sob o aspecto físico nada se tem de Sinhá Vitória e dos dois meninos, sabe-se apenas que o sonho dela é ter uma cama de varas; quanto a Fabiano, tente-se apenas descrição sumária de ter barba ruiva e castigada pelo sol, mãos calejadas e grossas, pés duros, mostrando assim, um tipo exemplar de pessoa castigada pela rudeza da vida.

Tais descrições sumárias são relevantes, pois não fragmentam, mas reforçam a imagem brutal em palavras do personagem. A expansão em imagem de Fabiano é realçada pela falta de sobre-nome. Como um “cabra” nem nome de família possuía. Não falava, pois achava que sequer sabia. Possuía poucos objetos rudimentares, como alpercatas que lhe cortavam os pés.

Dos meninos, também, sequer apresentações, nomes e descrições ou traços se possui, exceto que o mais novo admirava o pai e o mais velho tinha natural curiosidade juvenil.

Na verdade, no contexto que os personagens se apresentam maiores traços do que se tem, seria desnecessários pois os membros da família de Fabiano são alegorias, entendendo-se como tal, meros símbolos típicos do sertanejo nordestino, que é impotente frente a natureza, a tradição social e econômica da região que lhe é cruel, bem como é ignorante e resignado aparentemente diante de sua realidade.

Destarte, embora a realidade do sertão Nordestino brasileiro seja cruel e dolorosa, a imagem da família sobejou por exotismo, pois é algo incomum para o restante do país, a situação e a vida do sertanejo nordestino, no espaço, Graciliano não se distanciou da tradição regionalista, contou a região do árido Nordestino, as suas plantas regionais, como no caso o mandacaru. A descrição deste ambiente, embora superficial, mas com realce nestes símbolos regionais, foi também uma nítida procura por um exótico, que sempre acaba chamando a atenção para o que é no geral esquisito ou extravagante.

Por outro lado, Vidas Secas, pode-se dizer num esforço discursivo, praticamente, não tem uma história a contar, mas um conjunto de situações confluentes, mas entre si, autônomas.

Foster define “a estória como uma narrativa de acontecimentos dispostos em sua seqüência no tempo. Um enredo é também uma narrativa de acontecimentos cuja ênfase recai sobre a causalidade.” ou seja, enredo é um conjunto dos fatos encadeados no tempo que constituem a ação de uma obra de ficção, mas cuja ênfase está na causa e não no efeito. (E. M. Foster, Aspectos do Romance, Editora Globo, Porto Alegre, 2ª Edição, p. 69).

Os capítulos de Vidas Secas, em sua maioria, não revelam precisamente um enredo, mas sim, um conjunto de painéis, cuja ordem seria irrelevante, pois são autônomos.

É bom observar, que com exceção do primeiro e último capitulo da obra, as supressões ou modificações de ordem não acarretariam modificações do conteúdo, e mais, o primeiro e último capítulos dão um efeito cíclico, ou seja, a vida desafortunada não termina nunca é um destino inevitável.


De fato, Vidas Secas trata a história de uma família de retirantes, que fugindo da seca, chega a uma fazenda abandonada, isto se apura no primeiro capitulo, a partir de então durante um breve período de chuvas, eles ficam na fazenda, até que se revela no último capitulo, o que sempre foi esperado, uma nova estiagem acontece e eles são obrigados, como no início, a fugir, agora sonhando com vida melhor no sul do Brasil.

Portanto a causa é a seca, todas as demais histórias são efeitos dela, portanto na história contada no primeiro e último capítulo de Vidas Secas há um enredo, ou seja, um conjunto dos fatos encadeados no tempo que constituem a ação de uma obra, mas cuja ênfase está na causa que é a seca, mas nos demais não, tanto que podem ser suprimidos ou ter sua ordem modificada.

Consolidando todas as explanações anteriores, do cotejo entre os capítulos “mudanças” e “fuga”, como já vinha sendo feito, primeiro e último, constata-se pelo contraste, que em ambos salienta o enredo que é a seca, a tragédia nordestina da seca; onde o ser humano se degrada ao nível de animal, chegando a ponto de se confundir com ele. Os personagens são verdadeiros símbolos do sertanejo típico do árido Nordestino, que não conseguem mudar desta figura símbolo do analfabeto, explorado, sujo, castigado pelo sol e que tem assim, sua vida dirigida pelos caprichos da natureza, pelo ciclo das chuvas e secas que desenham o seu destino. O espaço é exótico, sobressaindo na paisagem juazeiros e caatingas, incomuns para o resto este continental território brasileiro. A narrativa sempre é feita em terceira pessoa, mas há predominância do discurso indireto livre, monólogos interiores ou reflexões de pensamento, onde o narrador resta como onisciente ou quiçá como testemunha.

Por ultimar, complementando o paralelo ainda dos capítulos retro, como mão à luva, luzidia quanto aos demais elementos constitutivos, a inteligência de Carlos Nelson Coutinho, quanto trata da questão do subdesenvolvimento e Marxismo, para quem, Vidas Secas, corresponde “a esta realidade relativamente simples e pouco densa, apresenta-se também simples: ao invés dos longos desdobramentos que caracterizam o romance realista do período de formação e ascensão da burguesia, temos aqui uma realidade quase linear sem conflitos dramáticos intensos e restrita a um curto período temporal na vida de uma família de retirantes. Tangidos pela seca, Fabiano e os seus emigram em busca de uma região mais favorável: terminam por se fixar em uma fazenda abandonada na qual Fabiano passa a trabalhar após entrar em acordo com o patrão, sempre ausente e distante, com a volta da seca eles são novamente obrigados a abandonar a fazenda e retornar a emigração. O romance situa a ação entre estas duas secas, isto é, no período do estabelecimento provisório de Fabiano. A profundidade de Graciliano, entre outras coisas, revela-se no fato de que --- este curto período de tempo e neste limitado espaço --- tenha ele aflorado e reproduzido a totalidade dos problemas implícitos no desdobramento da ação, sem necessidade de recorrer a largos panoramas e ações paralelas, o que não corresponderia ao baixo nível psicológico dos personagens, nem à pouco densa realidade na qual eles atuam.” (Coutinho, Carlos Nilson, Literatura e Humanismo, Ensaio de Critica Marxista, Paz e Terra, ps. 172/173). (n.g)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Introdução:


Blog produzido como avaliação parcial da 3ª unidade da disciplina da língua Portuguesa sobre a Orientação da professora Irana Costa , do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães Camaçari-Bahia


3º ano / Turma: 01 / Turno: Matutino Ano 2009

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Apresentação de slide - Vidas Secas


Vidas Secas - Livro



(Aspecto da ilustração na capa do livro.)




I- Introdução


Publicado em 1938 , VIDAS SECAS aborda a problemática da seca e da opressão social . Ao contrário dos romances anteriores, é uma narrativa em terceira pessoa.
O romance tem um caráter fragmentário . São "quadros", episódios que acabam se interligando com uma certa autonomia. Como coloca o crítico Affonso Romano de Sant'Anna - Estamos sem dúvida, diante de uma obra singular onde os personagens não passam de figurantes, onde a estória é secundária e onde o próprio arranjo dos capítulos do livro obedecem a um critério aleatório. Mesmo com essa estrutura descontínua, há uma proximidade entre o primeiro capítulo: Mudança- a chegada de uma família de retirantes - e o último: Fuga - a mudança da família que , diante da seca, foge para o sul. Esse caráter mostra que o romance é cíclico, onde o mundo se fecha para a família de Fabiano, saindo de uma mera classificação regionalista para mostrar o drama que o Homem sofre com a opressão do mundo .


II- Enredo


Podemos assim sintetizar os capítulos da seguinte forma :

CAP. 1 - MUDANÇA: uma família sertaneja fugindo da seca. Compõe a família: Fabiano, sua esposa Sinha Vitória, os dois filhos do casal caracterizados por menino mais novo e menino mais velho, a cachorra Baleia e um papagaio, que morrera para alimentar a família .
Como o próprio título sugere, a situação da seca acaba por tornar as pessoas (vidas) em amargas (secas), como no episódio onde o menino mais velho senta-se no chão exausto da caminhada. Fabiano tem uma reação totalmente hostil :"-Anda, condenado do diabo..." , pois o pai possuía "o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça.".

CAP. 2 - FABIANO: a família se aloja em uma fazenda abandonada. Depois de uma trovoada, o dono da fazenda chega e expulsa a família de retirantes . Fabiano se faz de desentendido e se oferece para trabalhar como vaqueiro. O fazendeiro acaba por aceitar a oferta.
Todo capítulo é centrado na análise de Fabiano. De vocabulário reduzido (mais grunhindo do que falando), inveja o seu Tomás da bolandeira, por possuir facilidade em se expressar.
O seu caráter isolado, sua rusticidade e o pouco vocabulário o faz se aproximar de um bicho, como ele próprio coloca: "Você é um bicho, Fabiano." , pois como o narrador revela, ele "Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais".


CAP.3 - CADEIA: temos a aparição do soldado amarelo (que reaparecerá no cap. 11) simbolizando a autoridade governamental. Fabiano, que ao ir à cidade fazer compras, acaba por jogar cartas com o soldado amarelo. Depois de um pequeno desentendimento, Fabiano é preso e espancado. Ele tenta compreender sua situação, mas não consegue devido a falta de organização de seus pensamentos. Revolta-se contra a injustiça que sofre, desejando vingança , mas acaba se conformando .

CAP 4 - SINHA VITÓRIA: centrado na esposa de Fabiano, mostra-nos o seu desejo em adquirir uma cama de couro (como a do seu Tomás da bolandeira ). Os esforços nesse sentido parecem inúteis, pois eles tem muito pouco com o que economizar . Nesse aspecto, o narrador mostra o inconformismo de sinha Vitória com a sua situação, ao contrário do marido, que aceita os fatos de forma mais passiva .
Fabiano a compara com o papagaio que morrera, fazendo analogia ao seu caminhado. No entanto, ela se mostra mais esperta do que o marido, além de articular as palavras melhor do que ele.

CAP. 5 - O MENINO MAIS NOVO: o garoto é apresentado como possuidor de um único ideal em sua vida: ser igual ao pai - Evidentemente ele não era Fabiano. Mas se fosse? Precisava mostrar que podia ser Fabiano.
Querendo imitar o pai, o menino tenta fazer montaria em um bode, acabando por cair. O tombo revela que o garoto ainda não é Fabiano, entretanto, tal fato não o afasta de seu sonho: "... precisava crescer, ficar tão grande como Fabiano, matar cabras a mão de pilão, trazer uma faca de ponta à cintura. Ia crescer, espichar-se numa cama de varas, fumar cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru."

CAP. 6- O MENINO MAIS VELHO: nesse capítulo, o menino se impressiona com a palavra inferno. Na tentativa de compreender o seu significado, pergunta a sinha Vitória, que fala pouco e age de modo arbitrário ao repreendê-lo. Busca aprendê-la , pois possuía "... um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca."
Há uma aproximação dele com Baleia, devido a sua carência, pois a cadela lhe devota uma certa atenção -"a cadelinha era o único ser vivente que lhe mostrava simpatia."

CAP 7 - INVERNO: início do período chuvoso. Descrição de uma noite torrencial e os temores que a chuva despertava na família de Fabiano, capaz invadir tudo. Fabiano tenta contar histórias enquanto os garotos passam frio.

CAP 8 - FESTA: a família vai à cidade para as comemorações do Natal. A família veste roupas confeccionadas por sinha Terta para a ocasião. Como Fabiano havia comprado pouco tecido, as roupas ficam muito justas. Com a falta de hábito de usar sapatos, a sensação de ridículo aumenta. Aumenta o sentimento de inferioridade ao perceberem a grande diferença entre esses dois mundos. Fabiano se embebeda, enchendo-se de coragem para fazer provocações. Como ninguém lhe responde, acaba voltando para junto de sua família.

CAP 9 - BALEIA: Baleia adoece (fica hidrófoba). Cai-lhe o pêlo, estava magérrima e com o corpo cheio de chagas. Fabiano resolve matá-la , temendo que passe a doença aos filhos.

CAP 10 - CONTAS: nesse capítulo percebemos a opressão do proprietário rural para com o seu agregado. Fabiano é enganado no acerto de contas com o patrão. Ao comentar que a conta do patrão difere da de sinha Vitória, este se irrita, diz que são os juros e intenciona demiti-lo. Fabiano que acaba por se humilhar e pedir desculpas ao patrão, mesmo sabendo que este está lhe enganando .

CAP 11 - O SOLDADO AMARELO: um ano após ser preso e espancado pelo soldado amarelo , Fabiano o reencontrará na caatinga. Embora deseje vingança, acaba submetendo-se a ele e ensinando-lhe o caminho. Percebe-se que, fisicamente, o soldado é mais fraco do que Fabiano -"O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia". Todavia é por ele respeitado por representar o governo -"Governo é governo".

CAP. 12 - O MUNDO COBERTO DE PENAS: Fabiano e sua família preparam-se para partir pelo prenúncio de outro período de seca , que é anunciado pelas aves de arribação . Fabiano atira nos pássaros para garantir alimento para a família para os próximos dias.

CAP. 13 - A FUGA: partida da família de Fabiano. A seca começa a se tornar forte e, não tendo como resgatar sua dívida junto ao patrão, resolvem fugir. Fabiano nutre esperanças quanto ao futuro dos garotos , estudando e morando numa cidade grande ; sinha Vitória pensa um dia poder dormir em uma cama de couro. Mistura de sonhos, descrenças e frustrações em que termina o romance. Mas são somente ilusões -"O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos."


III- Estrutura da narrativa


I Tempo

A ação ocorre entre dois períodos de estiagem (primeiro e último capítulo). Embora haja algumas referências cronológicas presentes na obra , há uma diluição do tempo cronológico para o predomínio do psicológico.



II - Espaço

Sertão nordestino.

III - Narrador

Narrado em terceira pessoa , é o narrador que se interioriza nos pensamentos dos personagens para revelá-los ao leitor, já que os personagens possuem uma linguagem precária. Assim, o texto fica estruturado no discurso indireto livre (predominante), onde o narrador "toma posse" do discurso dos personagens para expô-los, evidenciando seus medos, desejos, raivas e frustrações através de monólogos interiores. O foco narrativo ganha destaque ao converter em palavras os anseios e pensamentos das personagens.


IV - Personagens

CONSIDERAÇÕES GERAIS :

O grau de verossimilhança na caracterização de Fabiano e sua família é muito grande. A brutalidade da seca faz com que os personagens também se embruteçam, daí a freqüente recorrência do autor ao compará-los com animais , revelando seus aspectos rústicos. Há uma evidente zoomorfização das personagens. Elas não falam, mas grunhem, rosnam, gesticulam e falam palavras soltas. Cabe ao narrador interpretar e expor os seus desejos e anseios.


FABIANO

O dicionário Aurélio dá a definição de Fabiano como sendo indivíduo inofensivo; pobre diabo. Tal significação é reiterada a todo instante na obra. Fabiano fica dividido entre a revolta e a passividade, optando pela segunda atitude diante de sua impotência.
Tal impotência é reforçada pela não aquisição da linguagem, que é o seu maior anseio. Toma como exemplo seu Tomás da bolandeira, tentando de forma caótica imitar-lhe o vocabulário. Por não saber se expressar, entra num processo de isolamento, aproximando-se dos animais, com os quais se identifica melhor .

SINHA VITÓRIA

Mais astuta do que o marido , é ela que percebe as trapaças do patrão (cap. 10) e também o início da estiagem (cap. 12) . Possui um espírito inconformado com sua situação , tendo como desejo de consumo uma cama de couro igual à do seu Tomás da bolandeira .
Seu inconformismo faz com que ela se transforme em uma pessoa queixosa, sendo impaciente com os filhos e um tanto quanto amargurada.

OS MENINOS

A ausência de nomes e de caracteres específicos acaba por projetá-los ao anonimato, formulando assim um caráter de denúncia. Parafraseando João Cabral de Melo - São tantos severinos / Iguais em tudo na vida.
Enquanto o mais novo vê no pai um ídolo, um modelo a ser seguido, a mais velho já é curioso, possui o desejo de saber.


BALEIA

A conotação do nome Baleia ganha dois sentidos . Além de ser uma ironia requintada feita pelo autor , figura também como uma compensação pela carência d'água .
Ela é humanizada em vários momentos, tornando-se um membro da família, sempre se solidarizando com esta (o episódio do preá e do consolo que dá ao menino mais novo quando este cai do bode e fica triste). Sua solidariedade é desinteressada , pois além de ser bastante enxotada , fica sempre com os ossos , contentando-se com o pouco .

SEU TOMÁS DA BOLANDEIRA

Personagem que só aparece por meio de evocações (pois já havia morrido), é tido como referência para Fabiano e sinha Vitória. Enquanto Fabiano admira sua linguagem, tentando imitá-la de forma desconexa, sinha Vitória deseja uma cama de couro igual à sua. Dessa forma, ele representa as aspirações de mudança do casal.

O SOLDADO AMARELO , O DONO DA FAZENDA E O FISCAL DA PREFEITURA

Os três personagens são representantes das instituições sociais que oprimem Fabiano. O soldado - corrupto, oportunista e medroso; o dono da fazenda - exigente, ladrão e opressor; o fiscal da prefeitura intolerante e explorador .




IV - Estilo e linguagem



Há uma certa comparação entre a linguagem do autor de São Bernardo e Machado de Assis . Isso decorre devido ao burilamento da linguagem de Graciliano , clássica . O despojamento de adjetivos é eminente , centrando-se o autor no substantivo (criteriosamente selecionados). Os períodos são curtos , o que realça um estilo conciso , "seco".
Graciliano ainda se utiliza de expressões regionais, adequando-os à sintaxe tradicional. A ausência de diálogos se faz presente devido à uma ausência vocabular por parte das personagens, que se comunicam através de onomatopéias, exclamações, resmungos e gestos, enfatizando a animalização dos personagens, que são marginalizados também pelo fator lingüístico. Por esse fator , há a predominância do discurso indireto livre, onde o narrador, através de monólogos interiores, ordena logicamente o discurso dos personagens.


V - Curiosidades

O romance originalmente se chamaria "O Mundo Coberto de Penas", título do penúltimo capítulo, em referências às penas negras dos corvos cobrindo o chão seco. O texto original está grafado assim. Porém o próprio Graciliano Ramos riscou o título original e escreveu à mão "Vidas Secas".

Graciliano Ramos


I - Biografia


Primogênito de de sesseis filhos do casal Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ramos, viveu os primeiros anos em diversas cidades do Nordeste brasileiro. Terminando o segundo grau em Maceió, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou um tempo trabalhando como jornalista. Voltou para o Nordeste em setembro de 1915, fixando-se junto ao pai, que era comerciante em Palmeira dos Índios, Alagoas. Neste mesmo ano casou-se com Maria Augusta de Barros, que morreu em 1920, deixando-lhe quatro filhos.

Foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, tomando posse no ano seguinte. Ficou no cargo por dois anos, renunciando a 10 de abril de 1930. Os relatórios da prefeitura que escreveu nesse período chamaram a atenção de Augusto Schmitd, editor carioca que o animou a publicar Caetés (1933).

Entre 1930 e 1936 viveu em Maceió, trabalhando como diretor da Imprensa Oficial e diretor da Instrução Pública do estado. Em 1934 havia publicado São Bernado, e quando se preparava para publicar o próximo livro, foi preso em decorrência do pânico insuflado por Getúlio Vargas após a Intentona Comunista de 1935. Com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, consegue publicar Angústia (1936), considerada por muitos críticos como a melhor obra.

Foi libertado em janeiro de 1937. As experiências da cadeia, entretanto, ficariam gravadas em uma obra publicada postumamente, Memórias do Cárcere (1953), relato franco dos desmandos e incoerências da ditadura a que estava submetido o Brasil.

Em 1938 publicou Vidas Secas. Em seguida estabeleceu-se no Rio de Janeiro, como inspetor federal de ensino. Em 1945 ingressou no antigo Partido Comunista do Brasil - PCB (que nos anos sessenta dividiu-se em Paritdo Comunista Brasileiro - PCB - e Partido Comunista do Brasil - PCdoB), de orientação soviética; nos anos seguintes, realizaria algumas viagens a países europeus com a segunda esposa, Heloísa Medeiros Ramos, retratadas no livro Viagem e sob o comando de Luís Carlos Prestes (1954). Ainda em 1945, publicou Infância, relato autobiográfico.

Adoeceu gravemente em 1952. No começo de 1953 foi internado, mas acabou falecendo em 20 de março de 1953, aos 60 anos, vítima de câncer do pulmão.



II - Bibliografia


A obra de Graciliano Ramos é bastante heterogênea, formada por contos, crônicas, romances, memórias e ficção infantil.


Romance:

→ Caetés (1933)

→ São Bernardo (1934)

→ Angústia (1936)

→ Vidas Secas (1938)

→ Brandão entre o mar e o amor(1942, em colaboração com Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Aníbal Machado)

→ Histórias Verdadeiras (1951)

Memorialística:

→ Infância (1945)

→ Memórias do Cárcere (1953)

→ Viagem (1954)

→ Linhas Tortas(1962)

→ Viventes das Alagoas(1962)

Infantil:

→ Histórias de Alexandre (1944)

→ Dois Dedos (1945)

→ Histórias incompletas (1946)


III - Estilo do Autor

Graciliano é a maioridade literária da geração regionalista. Foi um escritor sem truques, sem falsa consciência aonde seu horizonte é a política, mas com essência das relações entre homem e natureza, onde fica pulsando como seu coração, que com muita astúcia, transfere as molas da tragédia social para os ciclos da natureza, onde a culpa, portanto, desaparece e onde a sociedade ironicamente parece inocentar-se.

Graciliano empregava termos nordestinos, não gostava de falar em público, sendo nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas, trabalhou intensamente e revolucionou os métodos de ensino, até hoje necessitados de reforma.

A modernidade de Graciliano Ramos não se relaciona com o movimento modernista ou com as modas literárias em voga no seu tempo. Escritor realista, clássico, denso, crítico e universalista, Graciliano Ramos explorou temas nacionais e regionais para expor, em suas personagens, as dores e sofrimentos comuns aos seres humanos. Sua obra se caracteriza pela poupança verbal, o parco uso de adjetivos e a sintaxe clássica, em oposição à liberdade gramatical dos modernistas e de prosadores do nordeste.

O estilo formal de escrita e a caracterização do eu em constante conflito (até mesmo violento) com o mundo, a opressão e a dor seriam marcas da literatura. Memória: Graciliano foi indicado ao premio Brasil de literatura.


IV - Característica do autor em sua obra


A qualidade principal da obra é que ele sintetiza a tragédia social nordestina no sertão nordestino, com uma linguagem levada aos limites da concisão e do aprimoramento, enfim, com um estilo que consegue ser artístico, sem a menor afetação.

Graciliano utiliza-se da técnica da concisão, ou seja, do estilo "seco", reduzido ao mínimo de palavras.

Graciliano mostra-nos que para sobreviver à seca, é preciso dispor de um atento instinto animal, é preciso estar sempre desperto para as variações da circunstância isso ele demonstra na figura de Fabiano.

O tempo é demonstrado pela quebra da monotonia, isso vai se combinando com o clima geral de incerteza e mesmice que não muda ao longo da obra.

O narrador é onisciente, porém, só mostra a intimidade das personagens quando esta esteja relacionada com aspectos da existência.

V - Análise Crítica


Graciliano Ramos no chamado romance do Nordeste, além de mostrar e denunciar as mazelas sociais, deu um nível literário,artístico à obra. É um escritor com um estilo próprio, com uma linguagem trabalhada. Não é um romancista na plena acepção da palavra, mas um bom contista e utilizou materiais já elaborados e até mesmo publicados para criar seus romances. Vidas Secas é montado num processo artesanal, ordenado à maneira de mosaico, não é um romance propriamente dito e sim uma coletânea de contos. São 13 capítulos autônomos, que se ligam pela repetição de alguns motivos.

Vidas Secas é um romance de estética realista naturalista é a dramática descrição de pessoas que não conseguem comunicar-se pois a terra é seca, mas o homem, também é seco: nem os opressores(patrão, soldado) e nem os oprimidos(família de Fabiano). Sabendo se que o mais importante não é a intriga mas o fundo sociológico e psicológico. Graciliano Ramos procura estudar o comportamento duma família extremamente rude e primitiva num meio ecologicamente severo e seco. Estuda as formas de raciocínio e linguagem, de adaptação ou revolta em diversas temperaturas psicológicas: as reações nos períodos de seca e fome, bem como nos períodos de fartura do inverno, as formas de comportamento no campo e na cidade, etc. O que interessa é o homem, o homem do sertão nordestino, o ser rude e quase primitivo pela hostilidade do meio físico e da injustiça humana. Graciliano Ramos conhecia a região e quis descrever o homem branco, rude e suas personagens são quase selvagens por isso o que elas pensam e falam merece ser anotadas.

Vidas Secas não é só o romance da seca, mas principalmente o romance da condição humana jogada entre a vida e a morte. As personagens deslocam-se para lugares distantes daquele em que se situa o conflito. Os retirantes recusam o presente e vão atrás de um sonho: casa para se abrigarem e trabalho para ganharem o suficiente para não morrer de fome.

Por ser um romance realista regionalista as descrições deveriam ser mais desenvolvidas. Se fala do verão, do inverno, das nuvens, do sol, de água ou dos mandacurus; as anotações "paisagísticas" são breves e explicativas, por que precisa destes elementos para estudar o comportamento psicológico do homem entregue a um meio ecologicamente tão duro "seco".

Vidas Secas: o título afronta duas formas de narrar(tendências narrativas) que pendem mais para se excluir do que para se unir. A primeira linha é a sociológica "secas" onde tenta fazer um romance realista regionalista; a segunda linha a psicológica "vidas", a do realismo psicológico. Impondo-se com o romance psicológico onde a análise se sobrepõe o documentário sociológico.

A seca não permite a vida vegetal, mata os animais e expulsa os homens, desumanizando-os e obrigando-os a aproximarem-se dos animais para todos juntos tentarem a sobrevivência comum. Assim entre Fabiano e a seca trava-se uma luta de um caráter especial, porque o vaqueiro "Fabiano" tem nela um inimigo que não pode combater diretamente mas por meios indiretos- fugindo. Para este combate a seca encontra ajuda "solidariedade" na cidade na luta contra Fabiano. E, Fabiano tem três fatores: a energia vital física, Deus e as ilusões que o ajudam a resistir a seca.

A energia vital física que lhe permite resistir aos obstáculos e que é indispensável preservar cautelosamente, sem esbanjamento inúteis, como aparece em "Mudança", em que Fabiano ao avistar o pátio "cerca" de uma fazenda sentiu vontade de cantar a sua alegria mas logo se conteve: "Calou-se para não estragar força"pág.12

Deus, Nossa Senhora, os santos e sinhá Terta com as suas rezas. Deus podia afastar alguns males, a reza da Ave-Maria reza forte "podiam esconjurar a seca e curar a novilha raposa que andava tresmalhada ". Fabiano e a família vão a igreja pelo Natal "Festa" rezam para esconjurar os malefícios e doenças do gado, mas

não reconhecem Deus como origem das situações más, por isso esperam dele as boas, como se ele "Deus" fosse um intercessor junto do Destino.

As ilusões como: um futuro melhor para os filhos, uma cama de varas, um bebedouro imaginário, isto são necessários para melhor lutar. Esta esperança no futuro não passa de uma forma de ganhar novas energias para vencer o presente, funcionando como narcóticos para encarar as dificuldades da seca.

Vidas Secas é um romance escrito em terceira pessoa, seu narrador é superior às personagens, pois tudo sabe, tudo vê, tudo pode narrar por que não coincide com nenhuma personagem, uma vez que está por detrás de todas como narrador implícito e oculto. O narrador está perfeitamente à vontade para narrar e contar de maneira intemporal, impessoal e sem quaisquer outros limites. Pois tudo é permitido.

O narrador assume quaisquer uma das cinco personagens: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o mais novo e a cachorra "Baleia"; cuja linguagem das personagens não vão além de monossílabos, por isso não podem analisar nem se expressar sozinhas. Cada personagem é especialmente analisada no capítulo que lhe pertence, com título apropriado e colocado em relação com as outras nos outros capítulos.

No primeiro capítulo "Mudança" as personagens apresentam-se todas juntas e numa ordem cronológica: Fabiano, sinhá Vitória, o menino mais velho, o mais novo, a cadela "Baleia" e o papagaio. Sabendo-se que este capítulo é o resumo de toda a história, pois os detalhes de cada personagem será, dito no capítulo que pertence a cada uma.

"[...] Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatros cantos,zangado, praguejando baixo"pág. 9

Isto é o comportamento do pai perante o filho mais velho. E no capítulo que lhe pertence o que aconteceu em "Mudança" é explicado com mais detalhe.

b"[...] Ele, o menino mais velho, caíra no chão que lhe torrava os pés. [...] Mal sentia as pancadas que Fabiano lhe dava com a bainha fada de ponta."pág. 59

Na caminhada que os retirantes fazem, o filho mais velho não consegue acompanhar por causa do sol forte e da fome que estão passando. Fabiano, o pai, fala alguma coisa monossilábica, mexe no filho e não tem resultado. No capítulo designado ao filho mais velho, isto é, posto com detalhes.

Na verdade, o narrador conta toda a história e a fala das personagens estão agregadas para que pareça seu pensamento. Fazendo uso da metalinguagem o narrador tem o conhecimento de toda a história e, faz uso da função fática para estabelecer um diálogo perfeito na relação narrador-leitor. Ao narrar o capítulo do "Menino mais velho" o narrador incorpora a personagem para o distanciamento não ser nítido.

A cachorra Baleia é humanizada, pois pensa, sonham tem consciência dos sofrimentos e da morte muito próxima dos seres humanos a que está agregada.

O apanhar um preá é dado como importante para a narrativa, a fim de encarecer o que isso vale com fator de sobrevivência para o grupo que caminha. Por isso o narrador dá uma grande importância a este episódio.

A cadela morre atingida pela hidrofobia(sarna), mas mesmo na execução deste castigo se afirma a violação da proibição por parte do sujeito, que não deixa o animal morrer por si mesmo, antes lhe dá o golpe de misericórdia, afirmando a sua contingência e liberdade contra a força necessária que o quer aniquilar. Baleia espera a morte sonhando com outro tipo de vida, ao lado de Sinhá Vitória, consegue elaborar seus devaneios.

Dado o caráter bivalente de Vidas Secas como romance regionalista e psicológico. A onisciência da terceira pessoa só atinge a amplitude nas descrições exteriores e sofre as limitações que faz equivaler à primeira pessoa.

Usando o caráter ambíguo das formas verbais(imperfeito do subjuntivo e do pretérito imperfeito e mais que perfeito do indicativo), o narrador narra como se comentasse e comenta como se narrasse. O imperfeito corresponde ao aspecto cursivo, definindo o desenrolar da ação ou a apresentação da qualidade como algo que dura e se desenvolve dentro dum determinado período de tempo e de importância.

O perfeito assinala que o modo de manifestação do processo indicado na enunciação ocorre num ponto determinado, concentrando o interesse do leitor de maneira instantânea e prende sua atenção para um momento de convergência.

No capítulo "Cadeia" isso fica claro "[...] Não queria( pretérito imperfeito) capacitar-se de que a malvadez tivesse sido( pretérito imperfeito do subjetivo) para ele. Havia ( pretérito imperfeito) engano, provavelmente o amarelo o confundira(pretérito mais que perfeito) com outro. Não era(pretérito imperfeito) senão isso.

Então por que um sem-vergonha desordeiro se arrelia(presente), bota-se(presente) um cabra na cadeira, dá-se(presente) pancada nele? Sabia(pretérito imperfeito) perfeitamente que era assim, acostumara-se(pretérito mais que perfeito) a todas as violências, todas as injustiças [...]"pág. 33

O início da narração é feita com os verbos no pretérito imperfeito do modo indicativo e no imperfeito do subjuntivo para demonstrar que é o narrador falando. Mas parece mais o pensamento da personagem por que depois, vem os verbos no presente, e no termino os verbos voltam ao modo indicativo "pretérito". Ao usar o pretérito mais que perfeito junto com o imperfeito gradua a importancia narrativa em relacao a um marco cronológico.

Mas ... como Graciliano Ramos faz uso do discurso indireto livre e agrega a personagem ao narrador; forjando, assim, um monologo onde apenas o narrador conta a história. Lembrando-se que as falas das personagens são monossilábicas, e o devaneio que são as falas do personagem parece o estado mental do narrador.

O tempo adquire um caráter lógico, porque as personagens sempre em movimento através da mudança continua dos estados: tanto física como psicológica. O tempo descontinuo se organiza no ritmo temporal do leitor moderno, o ritmo da vida precipitado e lento: precipitado por causa das frases curtas, enxutas, período simples, lento porque é cheios de vazios, sentidos densos.

As informações concretas são bem poucas, não são marcos absolutos e claros, mas relativos a outros marcos que se encadeiam em ate cedentes imprecisos.

"Entrava dia e saia dia" pág. 13

"Agora Fabiano era vaqueiro" pág. 19

O narrador situa o encontro com o soldado amarelo um ano depois do episódio da "Cadeia"

" [...] voltou-se e deu de cara com o soldado amarelo que, um ano antes, o levara á cadeia [...]" pág. 99

E no final do romance diz: "dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos, o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito" pág. 120

"Alguns anos" este plural indica que um ano é insuficiente para conter toda a matéria do romance ou a vida é um ciclo de retomadas.

Vidas Secas começa com uma fuga e acaba com outra, a ação fecha-se num circulo. A vida do sertanejo se organiza, do berço á sepultura, o perpétuo retorno.

E, para o narrador interessa apontar o mútuo distanciamento de determinado momentos de sucessão. Isto subtrai a cronologia do tempo criando um efeito psicológico.

Em Vidas Secas não há o contraponto entre o presente da escrita e o passado dos acontecimentos porque o narrador se dissimula perfeitamente por detrás do relato e aparece interessado em que o leitor se aperceba o menos possível de sua presença. É uma ocultação que não impede a relação narrador-leitor, mas a atenue bastante.

domingo, 20 de setembro de 2009

Vidas Secas - Filme (1963) e montagem




SINOPSE: Foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca. Neste filme fica perceptível a influência marcante do neo-realismo italiano na obra do diretor Nelson Pereira dos Santos.
Pressionados pela seca, uma família de
retirantes composta por Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia, atravessam o sertão em busca de meios para sobreviver. Essa obra de Graciliano Ramos é trabalhada em diversos âmbitos, como educacionais, sociais e filosóficos, por diversos tipos de instituições de ensino em todo Brasil; em 2009, 75 universidades escolheram esta obra literária para seus vestibulares. O filme foi indicado a Palma De Ouro e recebeu o Prêmio OCIC, além disso foi considerado o melhor filme de 1963 pelo Festival de Cinema de Gênova, na Itália, e obteve os prêmios Catholique International du Cinema, e Ciudad de Valladolid, na Espanha. Em 1983, "Memórias do cárcere" de Graciliano é adaptado para o cinema, também por Nelson Pereira dos Santos.

Abaixo segue as partes do filme para download

PARTE - I

PARTE - II

PARTE - III

PARTE - IV

PARTE - V


Bom filme!

Abaixo um vídeo contendo cenas do filme mostrando a "cara" da seca com as realidades ditas nas frases ao longo do vídeo.